Se o miliciano Zinho fizer delação premiada será um deus nos acuda no Rio – por Carlos Wagner
“Se ele quiser impressionar as autoridades terá que contar uma boa história”
Na véspera do Natal, um domingo, o bandido mais perigoso e procurado do Rio de Janeiro, o miliciano Antônio da Silva Braga, o Zinho, entrou na Superintendência da Polícia Federal (PF) na capital fluminense e se entregou. Tinha 12 mandados de prisão por vários crimes em aberto contra ele.
Se fizer a delação premiada com a PF, será um deus nos acuda no Rio. Porque ele sabe das conexões dos milicianos com policiais (civis e militares), parlamentares na Assembleia Legislativa e funcionários do Executivo e da Justiça. É do conhecimento geral que tais conexões existem, tanto que vez ou outra uma delas brota, como foi o caso da deputada estadual Lúcia Helena Pinto de Barros, a Lucinha (PSD).
Apelidada de “Madrinha”, a deputada está afastada da Assembleia desde o último dia 18, depois que a Operação Batismo, da PF e do Ministério Público Estadual, encontrou indícios de suas ligações com as milícias. Como dizem os repórteres que fazem a cobertura policial: a casa cai se Zinho der com a língua nos dentes.
Zinho não é apenas mais um dos milicianos do Rio que está perdendo os anéis para não perder os dedos. Ele é “o” cara. Já era o bandido mais procurado e famoso do Brasil quando virou manchete dos jornais em outubro passado. Em uma demonstração de força perante as autoridades, mandou colocar fogo em 35 ônibus, quatro caminhões, um vagão de trem e vários postes de eletricidade e internet, em represália à morte, em confronto com a polícia, do seu sobrinho e vice-líder da milícia, Matheus Rezende, o Faustão.
A milícia de Zinho controla 13 bairros, onde vivem 4 milhões de pessoas, na Zona Oeste do Rio. A maioria dos moradores é obrigada a consumir serviços de internet pirata (gatonet), eletricidade, gás, transporte e segurança fornecidos pela milícia a preços escorchantes. Segundo a versão dos advogados de Zinho, ele se entregou para a PF porque teme ser morto pela Polícia Civil, a exemplo do que já aconteceu com os seus dois irmãos que comandaram a milícia antes dele.
Carlos Alexandre da Silva Braga, o Carlinhos Três Pontes, foi morto em confronto com policiais civis em 2017. Foi substituído pelo irmão Wellington da Silva Braga, o Ecko, que também morreu durante uma operação da Civil, em 2021. Zinho assumiu então o controle da organização criminosa.
Atualmente ele está isolado em uma cela da Penitenciária Bangu 1, no Rio. Não se sabe qual foi o acerto que fez com os cabeças do seu grupo, como o segundo em comando, Peterson Luiz de Almeida, o Pet. Preso em agosto, acusado de tráfico de armas e de integrar a milícia,
Pet teve sua prisão temporária convertida em preventiva (sem prazo para sair), mas a conversão não foi informada às autoridades carcerárias e ele foi solto e saiu pela porta da frente da Unidade Prisional José Frederico Marques, em Benfica, na Zona Norte do Rio. O caso foi investigado pela Secretaria de Administração Penitenciária do Rio (Seap) – há matéria na internet.
Seja lá qual foi o acordo feito entre Zinho e seus comandados, o fato é que, ao se entregar, ele tirou a pressão da polícia sobre os negócios da milícia, que somam milhões. O poder de pressão das autoridades do Rio aumentou significativamente depois do acordo firmado entre o governo federal e o estadual que colocou a PF e todo o aparato tecnológico e legal da União no auxílio às polícias (civil e militar) e ao Grupo de Atuação Especial de Repressão ao Crime Organizado (Gaeco), do Ministério Público do Rio.
Se Zinho quiser impressionar esse pessoal vai ter que contar uma boa história. Claro, ele tem uma carta na manga para negociar. Em 2024 haverá eleições municipais e os seus milicianos dominam 13 bairros onde vivem mais de 4 milhões de pessoas. Uma boa parte dessa população compõe o chamado curral eleitoral da milícia, que durante as eleições é negociado, em troca de favores e dinheiro, com os candidatos.
Continuará sendo assim nas próximas eleições? É preciso esperar para ver. Há mais uma história que precisa ser avaliada para se ter uma ideia do rumo que as coisas poderão tomar com a prisão de Zinho. Nos últimos anos, as milícias cariocas aumentaram sua importância no mapa nacional das organizações criminosas.
Elas começaram a admitir em suas fileiras traficantes de drogas ligados às duas grandes facções do país, o Comando Vermelho (CV), do Rio, e o Primeiro Comando da Capital (PCC), de São Paulo. Essas duas organizações operam protegendo produtores de cocaína na Colômbia, no Peru e na Bolívia e têm entrepostos de drogas na fronteira do Paraguai com o Brasil. Também operam nos garimpos clandestinos das terras indígenas na Floresta Amazônica.
O que significa tudo isso? Que em um futuro bem próximo caras como Zinho não poderão tomar uma decisão pensando somente nos interesses da sua organização. Precisarão consultar os associados antes de decidir. E nesse mundo o contato que as organizações criminosas têm com policiais, parlamentares e funcionários dos Executivos e da Justiça valem ouro. Quem os denunciar estará assinando a sua própria sentença de morte.
Há outra história que pode tornar Zinho relevante para a PF. A família dele atua no crime desde o início dos anos 2000. Seu irmão Carlinhos Três Pontes travou uma guerra com várias milícias e bandos de traficantes na primeira década do século para formar o que é hoje a organização dirigida por Zinho. Ele conhece os principais personagens do submundo carioca.
Portanto, é lógico pensar que possa ajudar no que é uma questão de honra para o governo federal: esclarecer quem mandou matar a vereadora Marielle Franco, que foi tocaiada e assassinada por milicianos junto com o seu motorista Anderson Gomes na noite de 14 de março de 2018.
Se Zinho e seus familiares não sabem quem mandou matar, podem conhecer alguém que sabe quem foi o mandante. Até porque ele também opera no setor de construções clandestinas, de onde muitos policiais acreditam que tenha partido a ordem para a execução da vereadora, que andava pressionando o governo municipal para acabar com os prédios ilegais. Ou seja, Zinho tem muita opções.
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(*) O texto acima, reproduzido com autorização do autor, foi publicado originalmente no blog “Histórias Mal Contadas”, do jornalista Carlos Wagner.
SOBRE O AUTOR: Carlos Wagner é repórter, graduado em Comunicação Social – habilitação em Jornalismo, pela UFRGS. Trabalhou como repórter investigativo no jornal Zero Hora de 1983 a 2014. Recebeu 38 prêmios de Jornalismo, entre eles, sete Prêmios Esso regionais. Tem 17 livros publicados, como “País Bandido”. Aos 67 anos, foi homenageado no 12º encontro da Associação Brasileira de Jornalismo Investigativo (ABRAJI), em 2017, SP.
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