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Morto pelas costas – por Carlos Dominguez

Elton Brum da Silva nunca fora metido a herói. Morreu com um balaço de espingarda calibre12 que lhe entrou pelas costas. Normalmente pouco falante, Elton teria falado demais na hora errada. Por causa disso, morreu. Nas suas costas mais de oito pequenos furos fizeram seu sangue escorrer no pampa.

Os cerca de 270 sem-terra estavam cercados por 300 brigadianos. Desde bem cedo da manhã. Já era fim de inverno, mas fazia frio. No campo limpo as barracas de lona preta estalavam com o vento calmo. Mas não havia nada de calmo no local.

O grupo sabia que tinha de sair e já havia decidido ficar na fazenda Southall. A polícia, com cavalos, espadas, cães, bombas de gás e armamento sabia que teria de usar a força. Esta é uma crônica de uma morte anunciada. Foi, desta vez, Elton Brum da Silva de 44 anos e duas filhas. Não será a ultima morte e nem foi a primeira na tumultuada exploração da terra no Rio Grande do Sul. A história é de morte e sangue. A trilha a ser percorrida é de ódio e intolerância.

São Gabriel sempre foi terra de luta. Para quem estava na fazenda invadida, antes das 7h, a situação já era complicada. A BM tentava destruir uma trincheira cavada pelos sem-terra com um trator mas a tentativa não estava dando muito certo. Sobrou para a cavalaria dissolver a resistência e tentar fazer cumprir a ordem judicial. Foices, paus e pedras não são eficientes contra a cavalaria. Ainda mais em meio a nuvens de gás. Toda a “ação” não durou mais de cinco minutos. Para quem está em conflito cinco minutos são longos e perversos. Em cinco minutos se cria e se tira a vida de muitas pessoas. Foi muito grito, choro, tiro, espada, pedra, pau, grito, fumaça, berro, dor e pavor.

No terreno aberto o grupo dos sem-terra estava dentro de um largo semicírculo formado pelos brigadianos. Dos 270, 60% eram mulheres e crianças. Quando começou a briga, os sem-terra acabaram ficando divididos em dois grupos. Um com a maioria de mulheres e crianças e outro, na barricada, com mais homens. Mas o barulho era alto em todo o local. Gritos de dor e de enfrentamento. Momento de conflito. Ninguém pinta o retrato de um buchincho quando estoura.

A ação do MST sempre é de enfrentamento. É a essência do movimento lutar pela melhor distribuição de terra. A ação da Brigada Militar não era de enfrentamento. Era de contenção de um possível conflito. Não foi o que ocorreu. As armas estavam carregadas com munição letal.

Por conta disso o subcomandante geral da corporação, Lauro Binsfeld foi afastado do cargo. A operação fora considerada pela própria Brigada Militar como errada. Surgem os suspeitos a serem investigados, as armas apreendidas, a perícia.

Um corpo (um mártir) sempre serve para arregimentar simpatia para uma causa. Um corpo magro, com furos a bala nas costas é um macabro troféu. O acampado sabe que um dia pode ser ele. Na doutrinação do movimento a situação de risco é discutida. Quem está ali sabe que uma hora o pior pode acontecer. Mas, ninguém em juízo perfeito, aceita a própria morte por antecipação. E lá vai a tropilha de esfarrapados para outro acampamento. E lá vai o comando da Brigada Militar discutir estratégias. E lá vão os políticos faturarem com a desgraça alheia. Foi o cerco. Foram os acampados. Foi o corpo. Foram os órfãos.

Ficou o sangue e a terra. E nada mais.

  

Carlos Dominguez[email protected]

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Um Comentário

  1. O comentário é revoltante e bem demonstra a ideologia de quem o escreve. Ele nunca deve ter estado em um acampamento ou assentamento do MST. Deixemos claro que a Brigada Militar sem rédeas e sob o ‘comando’ de um governo visceralmente corrupto é a responsável pelo assassinato covarde e pelas costas de uma pessoa desarmada, e tentou e tenta encobrir a verdade dos fatos. Além disso, comparar um conflito social com um ‘buchincho’ e aqueles que lutam para trabalhar, com uma ‘tropilha’, reflete bem o pensamento arcaico de alguém que defende o interesse dos latifundiários. Elton sempre será lembrado com um mártir que tombou na luta social, ele jamais será esquecido pelos seus companheiros, mas quem criou mais um mártir, fique bem claro, foi um covarde integrante da Brigada Militar do Rio Grande do Sul. Por fim, a polícia é a cara do governo.

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