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O tempo que resta – por Bianca Zasso

Encontrar a cura para todas as doenças existentes é o sonho de muitos estudiosos da área da saúde. Além de trazer esperança para milhares de pessoas, ainda corre-se o risco de entrar para a história. O tema também é frequente no cinema e na literatura, onde grandes descobertas da ciência garantem uma vida longa e saudável para seus personagens. Na maioria dos casos, o assunto rende produções cheias de efeitos especiais e clima esperançoso. Mas não espere nada disso quando for assistir Não me abandone jamais.

A história, à primeira vista, parece mais um triângulo amoroso como tantos outros por aí.  Na década de 70, os amigos Kathy, Ruth e Tommy cresceram juntos em um internato no interior da Inglaterra. Kathy é apaixonada por Tommy, mas quem acaba se envolvendo com ele é Ruth. Professoras austeras, uniformes impecáveis, disciplina e alguns amores clandestinos. Seria uma típica história de adolescentes não fosse o toque de ficção científica que faz do filme uma obra única: todos os jovens moradores do internato possuem um chip, que informa suas chegadas e saídas.

Mais do que uma forma de controle, é um dos artifícios usados para garantir que todos cheguem ao seu destino, que já é conhecido de todos.  Mais do que crianças num colégio rigoroso, eles são clones produzidos geneticamente para, assim que chegarem a vida adulta, tornarem-se doadores de órgãos.  O contraponto entre o cenário de época e a modernidade do tema é apenas um dos detalhes que torna o filme interessante.

Dirigido por Mark Romanek, conhecido por comandar a produção de videoclipes premiados de artistas como Madonna e David Bowie, Não me abandone jamais é inspirado no romance homônimo do escritor japonês Kazuo Ishiguro, autor que já foi adaptado para o cinema outras vezes, como no delicado Vestígios do dia, estrelado por Emma Thompson .

Apesar do cenário inglês, Ishiguro segue a tradição da literatura oriental e investe mais em seus personagens no que na descrição de cenas.  Para o autor, não importa como são produzidos os clones, mas quem são esses clones e como reagem ao saberem de seu destino.  Kathy, a mais racional do trio, encara de frente o desafio. Sua inicial frieza é logo quebrada por seu jeito meigo e carinhoso, acentuado pelos traços delicados da atriz Carey Mulligan, numa das melhores atuações de sua carreira. Já Ruth e Tommy, cada um ao seu modo, tentam fugir da obrigação das doações. Para isso, até fingir amor está valendo.

O medo de ser chamado para ser um doador no auge da juventude cria um clima de aflição nos personagens. Uma vida controlada, com data certa para começar a acabar, coloca dúvidas em qualquer ser humano com o mínimo de sentimentos. Qual a melhor decisão? Aproveitar ao máximo o tempo que resta ou simplesmente esperar?

E no meio de todas essas perguntas ainda existe o cotidiano, as obrigações e os amores. São justamente eles que mostram o que cada personagem é. Ruth força uma relação com Tommy, na esperança de encontrar alento para seus medos. Já Kathy, paciente como sempre, espera a hora certa para se envolver com Tommy. Mesmo que essa hora demore para chegar e dure pouco.

Além das belas atuações, incluindo o jovem Andrew Garfield, escalado para viver o novo Homem-Aranha do cinema, o filme de Romanek tem uma fotografia bem construída, de tons amarelados, bem ao gosto do oriente. As passagens bucólicas e poéticas do livro de Ishiguro aparecem no momento certo, como na breve cena do passarinho pousado em cima de uma chaleira ou a jovem Kathy se deixando levar pela melodia da canção Never let me go, cantada por Judy Bridgewater.  Pequenas belezas que estão ao nosso redor, mas a gente quase não vê, por falta de tempo ou atenção.

Clones criados para salvar vidas. Parece um grande avanço para a humanidade. Mas e os clones, o que pensam? Ter um destino traçado, por mais nobre que ele pareça, mexe com sentimentos que a gente nem sabia que tinha.  Não me abandone jamais nos mostra o quanto a vida é breve, mesmo para quem tem um destino incerto.

Não me abandone jamais (Never let me go)

Ano: 2011

Direção: Mark Romanek

Disponível em DVD e Blu-Ray

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