Coluna

Ondas de mudança – por Bianca Zasso

Praia no inverno pode parecer um programa desanimador, mas sem calor e vazia de turistas, a beira do mar pode ser um bom lugar para repensarmos nossas escolhas e discutirmos sobre nossos desejos. Mesmo que a juventude não tenha o frio como empecilho para se divertir, até quem só pensa em festa pode ser invadido pelo poder hipnotizador das ondas e dar um tempo. E é sobre esse tempo sobre si mesmo, do qual vivemos fugindo e cobiçando, que trata Beira-Mar, estreia em longas-metragens da dupla de diretores e roteiristas gaúchos Filipe Matzembacher e Marcio Reolon.

Depois de realizar trabalhos de destaque no formato de curta-metragem, como o belo Um diálogo de ballet (que, aliás, concorreu na Mostra Nacional da edição de 2013 do Santa Maria Vídeo e Cinema), era chegada a hora de aumentar não apenas a duração, mas a intensidade das histórias. Beira-mar é sobre dois amigos, Martin e Tomaz, interpretados pelos ótimos Mateus Almada e Maurício Barcellos, que saem de Porto Alegre rumo a Capão da Canoa num final de semana gelado.

O objetivo primeiro da viagem é buscar um documento importante para o pai de Martin. Só que o que importa mesmo não é esta sinopse simples, mas o miolo, o que acontece entre a saída da capital gaúcha até o último dia diante do mar. Por sinal, o mar é um personagem importante. O barulho das ondas quebrando é a trilha sonora dos momentos de solidão dos dois amigos. Apesar de longe um do outro, há uma ligação que o espectador mais sensível percebe desde o primeiro abraço trocado entre os dois.

Não, Beira-mar não é um simples retrato da descoberta da sexualidade. Há vários por aí, como muitos sabem. É um filme sobre experimentar, duvidar, desejar. Parece só uma sequência de verbos, mas o impacto que eles nos causam vai muito além da gramática. Martin e Tomaz tem um pouco de cada um de nós quando jovens, lidando com relações familiares complicadas por meio de piadas e se questionando o porquê do constrangimento em falar sobre alguns assuntos com o melhor amigo. O azul é a cor mais presente na direção de arte do longa, indo do cabelo pintado durante um porre até o portão que Martin abre para confrontar uma parte de sua família que ele pouco conhece.

Há muitos silêncios em Beira-mar, mas também há muitas formas preenchendo o quadro nestes momentos quietos. Matzembacher e Reolon não são explícitos e sabem que há mais beleza no pequeno gesto do que na ação completa estampada na tela sem cortes. É assim com o primeiro beijo entre Martin e Tomaz, onde as mãos são mais focalizadas que as bocas. Aquele toque esperou muito para acontecer com aquele significado. Exibido no Festival de Berlim, Beira-mar faz parte de uma nova safra de produções voltadas ao público adolescente que passa longe da caricatura e do roteiro vago. É para todas as idades, mas até o mais velho da plateia vai lembrar dos seus vinte e poucos anos. Por pior que este período tenha sido, e durante ele que fazemos escolhas importantes e vivemos as primeiras experiências inesquecíveis.

Quem conhece o litoral gaúcho sabe que nosso mar não é lá muito azul. Mas o que importa é mergulhar e lavar a alma. Sem medo. Por mais gelado que esteja.

Beira-mar

Ano: 2015

Direção: Filipe Matzembacher e Marcio Reolon

Disponível em DVD, Blu-Ray e na plataforma Netflix

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