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A gosto – por Orlando Fonseca

Houve um tempo em que, sem o menor peso na consciência, recomendava-se nas receitas culinárias o uso de “sal a gosto”. Com a difusão das pesquisas da medicina a respeito dos efeitos do cloreto de sódio no organismo, esta dica passou a ser um despropósito. Isso também tem ocorrido com o açúcar, que tem recebido, por vezes, a pecha de vilão, para depois recuperar a condição de galã da novela iguarias x saúde. Creio que não seria o caso de atualizar a orientação para “conforme recomendação médica”, uma vez que cuidados com a saúde, muitas vezes, não combina com o pecado da gula. Nem mesmo o eufemismo usado em propagandas de bebidas alcoólicas, “use com moderação” poderia ser invocado. O certo, ao menos para uma crônica despretensiosa, é que nos dias de hoje, os tempos e os temperos têm um sabor diferente daquele em que se cometiam abusos sem traumas. Talvez fôssemos menos hipocondríacos. Em tempos de politicamente correto, a noção de “a gosto”, aproxima-se perigosamente do nome e da sina do corrente mês, agosto.

Sim, porque, com menos sal diz-se que as coisas ficam insípidas. O sal já foi um elemento tão importante, no cotidiano de nossos ancestrais, que o pagamento por serviços prestados era feito com a então relíquia salgada. Daí a origem do termo conhecido hoje como salário. Ao contrário dos costumes de antanho, a remuneração já não tem o mesmo antigo sabor, e salgado mesmo é o preço daquilo que se precisa comprar com o equivalente ao punhado de sal. Imagino que, durante milênios, a ideia de realçar o sabor dos alimentos esteve na ordem do dia, influenciou economias ao redor do planeta, impulsionou institutos de pesquisa, que fizeram avançar os estudos para uma vida melhor, mais saudável, inclusive chegando à cozinha e ao uso do sal nas receitas saborosas que a culinária mundial havia aperfeiçoado por séculos. Descobrindo que o paladar da galera não é a medida certa quando se trata de preservar a própria saúde. Nesta mesma receita se pode colocar a margarina, o óleo de soja, as gorduras insaturadas, para alguns o glúten, e eu arriscaria colocar aí o destempero verbal.

É claro que não me refiro, nesta última afirmação, a baixarias, ao uso de termos de baixo calão, mas ao chiste, ao trocadilho de ocasião – aqueles que Freud coloca no cesto onde figuram outras formas espontâneas do que ele chamou de “atos falhos”. Ou seja, irrupções do inconsciente na vida cotidiana. Digo isso com o fito apenas de eruditizar este texto prosaico, e laico (não para rimar). Com o avanço do processo civilizatório, pelo qual, cada vez mais aprendemos a conviver, pacificamente, em sociedade, a noção de correção política tem a ver com distância da barbárie e dos instintos – especialmente os básicos. Se houve um tempo em que se usavam, a gosto, piadas racistas, machistas, sexistas e homofóbicas – a lista é grande -, hoje elas podem causar risos a contragosto, constrangimentos e até demandas judiciais. Freud explica: ele chama a isso de “mal estar da civilização”. É o agosto dos tempos quando se pensa em idade humana, ou humanidade.

Agosto é um mês para se vivê-lo com cuidado, diriam os antigos. Vencido o agosto, segundo os mesmos, tudo são flores – até porque começa a primavera. Da bomba sobre Hiroxima ao suicídio do Vargas, a História é plena de gostos amargos para este mês. Ao certo é que o tempo e o tempero dependem de cada um, ou seja, com moderação e consciência, é uma questão de se usá-los a gosto.

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