Coluna

Noites de Jim – por Bianca Zasso

Os psicanalistas podem até discordar, mas há mais revelações dentro de um táxi do que em muitos consultórios por aí. A pressa, o desespero, a esperança, moram todas em cada passageiro. E são muitos por dia. Logo, são muitas histórias.

O americano Jim Jarmusch, que adora o homem comum justamente por ser o grande portador de sentimentos insólitos, resolveu levar o táxi com seus pequenos universos dentro para a telona. Aliás, vários táxis e vários universos. Uma Noite Sobre a Terra chegou aos cinemas no início dos anos 90, mas continua conquistando os espectadores e até ganhando novos significados.

Para a geração que mal deixou o berço e já pegou um smartphones nas mãos e faz quase tudo na vida com os olhos vidrados nas telinhas e dedos nervosos nas teclinhas, um filme baseado nos diálogos entre motorista e passageiro pode parecer um tanto estranho. Pois bem, aos mais jovens, houve um tempo em que as pessoas conversavam umas com as outras sem precisar de wi-fi. E é sobre esse tempo, o às vezes breve contato entre duas pessoas durante um percurso que trata Uma Noite Sobre a Terra.

São cinco contos, ambientados cada um em uma cidade: Los Angeles, Nova York, Paris, Roma e Helsinque. Muda o destino, mas o olhar de Jarmusch se mantém firme sobre as ruas menos famosas. É nos muros pichados e nos bairros afastados do burburinho central que circulam os táxis que o diretor convida o público a embarcar. Tudo embalado pela trilha sonora incrível de Tom Waits.

O primeiro segmento, o mais feminino dos cinco, diga-se de passagem, promove o encontro entre Gena Rowlands e Winona Ryder, atrizes de gerações diferentes, mas com muito em comum. Gena dá vida a uma caça-talentos de Hollywood, Victoria Snelling, em conflito com o chefe e em crise com o namorado. No percurso do aeroporto até Beverly Hills, ela acaba trocando ideias com Corky, a motorista com cara de adolescente que sonha ser mecânica.

Aos distraídos parece um monte de frases soltas, mas estamos diante de um diálogo sobre amor e sonhos que fará mudanças no pensamento das duas personagens. O desprendimento de Corky trará leveza para a eternamente ocupada Victoria. Parece uma viagem de táxi, mas é quase um papo terapêutico entre duas mulheres que enxergam o mundo sob ângulos diferentes. Talvez Victoria já tenha tido o seus tempos de Corky ou deseja voltar a tê-los. Talvez Corky não seja apenas uma garota que gosta de rock e fuma demais. Talvez, talvez. Não é com essa palavra que guiamos muitos dos nossos desejos?

Uma Noite Sobre a Terra ainda vai levar o espectador a passear pelo Brooklyn com um perdido taxista alemão, interpretado pelo ótimo Armin Mueller-Stahl e vasculhar uma Paris cheia de preconceitos com uma passageira cega encantadora (que tem os melhores diálogos do filme) vivida pela eterna Betty Blue Béatrice Dalle. Ah, também tem Roberto Benigni falando sem parar e uma turma correndo contra o tempo na fria Finlândia.

Tentar explicar cada pequeno trecho que compõe a produção seria diminuir o sabor da surpresa e a graça de embarcar nas criações de Jarmusch e seu elenco. A câmera não assume a posição do motorista à toa. O diretor nos dá a liberdade de também sentar dentro dos diferentes táxis que passam na tela.

Também somos passageiros. Se não interagimos respondendo aos personagens, uma pequena alegria acontece dentro de cada um de nós por se sentir parte da viagem. A tal magia do cinema não tem nada a ver com explosões, 3D ou cenas grandiosas. É de uma boa conversa que se fazem grandes filmes.

Uma Noite Sobre a Terra (Night on Earth)

Ano: 1991

Direção: Jim Jarmusch

Disponível em DVD pela Obras-Primas do Cinema

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