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CRÔNICA. Pylla Kroth e o emocionante e cantante encontro, 40 anos depois, com a dona Glória Giotto

Glória, Glória, Aleluia!

Por PYLLA KROTH (*)

Tenho um sentimento de gratidão eterna para com as mulheres que mapearam minha trajetória aqui neste plano terreno. Nasci e vivi em uma casa com seis. Minha caminhada sempre foi orientada e vigiada por elas. Ai de mim sem elas!

E nesta semana resolvi quebrar o clima de minha rotina, depois de refletir um pouco sobre os embaraços de minhas atividades laborais. Sempre peço auxílio para minha esposa quando isso acontece e ela está sempre pronta para me ouvir. Antes era assim com minha mãe e minhas irmãs. Paro e reflito sobre as outras que em outros tempos sempre me ajudaram a encontrar uma solução para meus embaraços: Dona Dalva, Dona Maria, Dona Zelinda, Donas de mim.

Minha cabeça girando, deixei que o tempo tomasse conta de minha alma, numa espécie de meditação. Sim, porque toda vez que quero avançar dou um “passito” para trás – aprendi isso ao pular a valeta do sumidor. Agora quem comanda meu coração puro, humilde e alegre é minha mente.

A primeira lembrança sempre é de minha mãe e de suas amigas que, juntas, sempre acharam um jeito de driblar a vida. Verdadeiras guerreiras, elas formavam um exército. Neste momento, me dei conta que devido à idade avançada da mãe, o bom seria mantê-la afastada de meus problemas. Penso que já estou crescidinho o bastante e devo matar no peito.

Mas insisto em lembrar as guerreiras que nunca precisaram pisar em homens para se sentirem superiores e vejo que é chegada a hora de agradecer. Neste exato momento lembro-me dos dias de Glórias das mesmas. Hoje moro em um edifício que leva o mesmo nome, e de imediato lembro-me da DONA GLÓRIA.

Foi na casa dela, minha vizinha quando menino, que vi uma televisão pela primeira vez, falei ao telefone também pela primeira vez, ouvi uma mulher com uma gaita na mão, comi mandolates saborosos, vi o homem pisar na lua, assisti Topo Gigio, Nacional Kid e muitas vezes fui correndo pedir ajuda quando minha mãe caía de cama abatida, por um ou outro motivo.

Pois as circunstâncias da vida agora trouxeram a Dona Glória para perto de mim novamente. Já com idade avançada e sem condições de viver sozinha, seu filho mais velho a trouxe para morar por aqui na nossa Santa Maria. Eu já estava sabendo disso há meses, mas sempre acabavam aparecendo outros compromissos e ia adiando a visita que pretendia lhe fazer desde que soube de sua vinda. Senti, então, no início desta semana, neste devaneio de lembranças em que me encontrava, que era chegado o momento de ir até ela agradecer por mim mesmo e todos os meus, a sua participação em nossa criação.

Feito o contato com minha mãe, telefonei para agendar a visita ao novo lar da Dona Glória, uma casa de hospedagem de idosos chamada Longevita. Passei antes em uma floricultura, comprei-lhe uma rosa e me fui com certa apreensão. “Será que ela irá me reconhecer, passadas quase quatro décadas sem nos vermos?” Quase pensei em desistir, mas está aí uma palavra que não combina comigo e nem com a minha geração. Desistir, jamais.

Cheguei então ao local e dirigi-me à portaria e confesso que gostei muito da recepção. “Fique a vontade, moço, suba a rampa e bata na porta que as auxiliares irão lhe atender!”, disse-me a atendente. E lá fui eu. “Toc-toc-toc” e as portas se abriram. Um sentimento de emoção tomou conta de mim ao encontrar-me diante de uma dezena de velhinhos no interior da sala de visitas, sorrindo.

Comecei imediatamente entoar uma canção com a alma e a lembrança como se fosse um mantra, tamanha minha emoção. Com a rosa na mão fui olhando um a um em ato de louvação enquanto cantava. Erguendo os olhos e me vi de frente a ela. Um pedaço de minha própria história estava ali, sorrindo para mim. Aquela mulher amiga, sensível, forte, doce, afável e incrível, me olhando com o mesmo carinho e atenção que no passado. Terminei meu canto num primeiro ato e fui aplaudido por todos.

Ajoelhei-me a sua frente e peguei-lhe a mão para lhe entregar aquela rosa branca, e neste momento ela me olhou com uma lucidez incrível e exclamou: “Porco Dio, Madonna Santa!”, o sotaque da gringa Budanese Giotto criada em Nova Bassano e Nova Prata. “Quem seria esse cabeludo?!” E neste momento, como é o silencio, tudo se calou por um instante, numa esfera de juízo final, para em seguida ela gritar: “Mas é o Pylla da Dalva!!!”

Senhores leitores, tenho que confessar que senti meu sangue parar de tanto deslumbramento. Com lágrimas nos olhos, me abraçou e esbravejava em italiano sua felicidade, em cada lágrima ela me pede desculpas, pois era que estava chorando de “faceira”, como ela me confessou. Agora não é sua boca, mas sim suas lágrimas que passam a me contar sua façanha de vida. Mais do que a longa conversa que tivemos, então, recordando o passados, com as boas e as ruins, e principalmente com as melhores memórias que a vida nos deu! Que balance as bandeiras para comemorarmos juntos a vitória da vida até aqui!

Que emoção, amigos, que emoção poder agradecer em vida quem ajudou uma cidade inteira, e não somente eu, trilhar pelos caminhos deste mundão da desigualdade social com garra e vontade de vencer dia após dia. Até pouco tempo sua casa lá na querida Tapera se transformou em QG da solidariedade para prestar auxílio aos desabrigados devido às enchentes que atingiram nosso Rio Grande.

Uma verdadeira Assistente Social forjada pela natureza das circunstâncias. Ao não se dobrar pelas adversidades da vida, essa guerreira formou uma família de gigantes, um de seus filhos é mestre na UFSM que deu exemplo e formou várias gerações de profissionais, além disso ajudou no desenvolvimento de uma cidade inteira.

Eu e toda minha cidade lhe somos gratos, Dona Glória Budanese Giotto. Somos todos seus filhos. Não esqueça que nunca estará sozinha enquanto viver esse entardecer de sua existência que quero que seja duradouro.

Glória a Deus Pai Todo Poderoso assim como era no princípio, agora e por séculos e séculos. Até a próxima visitinha. Prometo cantar várias para seus amigos. E se sentirmos dor a essa altura da vida, a levaremos aos gracejos!

(*) PYLLA KROTH é considerado dinossauro do Rock de Santa Maria e um ícone local do gênero no qual está há mais de 35 anos, desde a Banda Thanos, que foi a primeira do gênero heavy metal na cidade, no início dos anos 80. O grande marco da carreira de Pylla foi sua atuação como vocalista da Banda Fuga, de 1987 a 1996. Atualmente, sua banda é a Pylla C14. Pylla Kroth escreve às quartas feiras no site.

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4 Comentários

  1. Eu Deus quanta emoção me causaram essas belas palavras!!!
    Dona Glória também fez parte da minha vida!!!
    Minha amada vizinha!!
    Esses mandolates,quantas vezes fiz junto com ela para aprender,mas só os dela ficavam bons,os palitos de nata,os canudinhos fritando naquela panelona enorme,as “chimas” e geléias que Dona Glória e minha mãe Alzira,faziam juntas!!
    Da minha mãe,ia a keshmier para os “piá”,Ênio eErni Paulo,da Dona Glória vinha a “cueca virada”!!
    Até bordar Dona Glória me ensinou!!!!!
    Siiiiim e ela dizia tem que bordar com a linha “Ilha da Madeira” que fica muito chique!!!
    E assim bordei o primeiro lençol para o meu enxoval,tomando chimarrão!!
    Tínhamos um portão de comunicação entre as nossas casas!!!
    São tantas e tantas lembranças,que me fazem sentir mais e mais saudades daminha vizinha querida!!
    Deus ajude que eu ainda possa vê-la,quem sabe numa passagem nossa por Tapera!!!
    Deus lhe dê muita saúde e muitos anos de vida e que ela seja leve,e no convívio de todos que lhe amam muito!!!!
    Ênio meu amigo querido,que benção tu teres perto de ti essa criatura de Deus!!!

    Um abraço beem apertado para Dona Glória e pra você!?❤?

  2. Encheu os meus olhos de lágrimas! Que coisa linda! De fato, dona Glória faz parte da história de muitos Taperenses. Muito digna a homenagem!

  3. Espetacular, Dom Pylla! Realmente, emocionante. Bem vindos sempre os agradecidos, que nunca deixam morrer as boas lembranças.

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