Claudemir Pereira

CRÔNICA. Orlando Fonseca e a crise no fundo do poço

Fundo do poço

Por Orlando Fonseca*

A preocupação atual dos economistas é descobrir se já chegamos no fundo do poço. Quando falo em fundo, por estar no terreno da economia, não me refiro a grana, dinheiro, bufunfa, valores monetários em geral, mas justamente a falta de tudo isso. Por tratar de poço, algo a ver com falta de liquidez, para não perder o vício do trocadilho. Quando falo no plural, não é por ser economista, mas me incluir entre os que podem estar neste lugar da pesquisa, e o “locus” – para parecer erudito – é o nosso país tropical. Este que era abençoado por Deus, como todos sabem, tinha praias ensolaradas. Mas, quando o Todo Poderoso viu que tinha outros pretendentes a este posto por aqui, com poderes sobre a vida e a morte, prendendo e arrebentando, resolveu se retirar, pois tinha mais o que fazer no restante do universo. Pois é, fazendo e refazendo as contas, os economistas se perguntam sobre o fundo e sobre o poço.

Pensei que era mais fácil perceber tal coisa, mas depois que vi as imagens da galera no Leblon, se aglomerando, sem máscaras, em meio à maior pandemia já vista no Planeta, eu perdi a esperança de que algo pudesse ser fácil por aqui. No primeiro dia de liberação da prefeitura do Rio de Janeiro – vejam só, quando o número de mortos por coronavírus atinge 66 pessoas em 24 horas – o povo vai fazer festa e ainda tira onda com o Corona. Ou seja, em termos de gestão pública, em termos de regramento social, estamos longe da civilização. Nova Iorque, por exemplo, só começou a liberação quando as mortes chegaram a um número abaixo de 10, e assim mesmo, bares ainda estão proibidos. Macroeconomia, por suposto, deve ser de uma matemática complicadíssima por aqui.

Para especialistas de outras áreas, a medida tem a ver com luz e com túnel. A alegoria tem representações de estrada, simbologias do percurso da história, da humanidade em sua caminhada – ou caravana, ou carreata como queiram. Ou seja, a população, numa dinâmica horizontal. Um trecho obscuro, com impossibilidade de fugas laterais, que não permite vislumbrar-se o horizonte, é identificado com crise, que só poderá alimentar expectativa de melhora, quando se avista a tal luz no fim do trecho da jornada. Já os economistas, preferem o poço como parâmetro. Talvez por sua proposição vertical, acostumados com cotações do dólar, o sobe e desce dos índices da Bolsa e os números da inflação.

O certo é que o poço, no caso, não tem a ver com fonte de alguma coisa, é só o espaço escuro e descendente, em cujo fundo a crise acontece. Isso porque nunca se fala em “alto do poço”, talvez porque sejam mais realistas – alguns pretendem, mesmo, ser mais realistas que o rei. Autoridade que não temos em nosso país, mas a nossa moeda, significativamente é o Real, que, como todos sabem, não tem a ver com a realidade, mas com a realeza. Já os outros especialistas, aqueles que veem a conjuntura como travessia, têm uma percepção, digamos, mais idealista, com o vislumbre expectante da luz no fim do túnel. Claro que temerosos com a conta da tal luz, nunca se sabe em qual bandeira vamos ingressar, por obra e graça do Operador do Sistema – autoridade, sim, oh nome pomposo.

Mas e o que seria o tal fundo do poço, posição em que, aludem alguns, poderíamos estar? O que querem mais: temos uma pandemia para chamar de nossa, na qual vão morrer algumas pessoas – e já são muitas – e daí? Não tem ninguém vendendo saúde no país – não falo nos planos de saúde – e já tivemos uma fila de entra e sai de ministros da pasta. A educação já teve três ministros – e as redes de TVs amigas falam que isso é normal no Brasil. Seria o velho normal, reativado com a velha política? Sim, sempre temos o Centrão como um dos indicadores do fundo do poço. O ano já vai em sua segunda metade, e onde estão os planos para a retomada da economia, que vai levar um tombo maior do que esse fundo, no qual já podemos estar? Mais do que saber se já estamos lá, precisamos saber como é que vamos sair.

(*) Orlando Fonseca é professor titular da UFSM – aposentado, Doutor em Teoria da Literatura e Mestre em Literatura Brasileira. Foi Secretário de Cultura na Prefeitura de Santa Maria e Pró-Reitor de Graduação da UFSM. Escritor, tem vários livros publicados e prêmios literários, entre eles o Adolfo Aizen, da União Brasileira de Escritores, pela novela Da noite para o dia.

Observação do editor: Foto Pixabay / Divulgação

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3 Comentários

  1. Assunto leva a outro truquezinho utilizado pela mídia e outros menos esclarecidos. Olhando para o passado todos são ‘gênios’. Tudo é previsível. Para toda medida tomada existe outra solução teórica que é infalível, não tem os efeitos colaterais da primeira e não tem os próprios problemas.
    Pano de fundo ideológico disto tudo é o que se convencionou chamar de ‘alto modernismo’ (que informa esquerda e direita). Fé cega em engenheiros, cientistas e burocratas (que têm poderes mágicos, conseguem até prever o futuro, apresentam soluções perfeitas com 100% de eficiência e eficácia), tentativa de controlar a natureza (inclusive a humana) para atingir objetivos humanos, simplificação de conceitos e conjunturas altamente complexos e desconsideração dos contextos históricos, geográficos e sociais.
    Tudo é simples, fácil, podemos tudo, ‘basta querer’.

  2. Centrão agora é maldito para alguns. Dilma, a humilde e capaz, auxiliada pelo Molusco, tentou comprar e não conseguiu, foi impichada. Quando estava no bolso não era problema. Não é possível avaliar o efeito eleitoral da pandemia, mas caso o Centrão não encolha os próximos presidentes terão que lidar com o mesmo.
    Planos para ‘retomada’. Podem existir e não ter sido divulgados. Pouco provável, motivo é simples. A conjuntura, recursos e restrições da ‘retomada’ não são conhecidas. Não existe bola de cristal. Semana que vem muita coisa pode mudar e o planejamento teria que ser revisto. Vide o RS, ‘os próximos 15 dias serão cruciais’. O pico é sempre mês que vem. Plano é simples, depois que a vacina ficar disponível é necessário conseguir em grande número e aplicar no maior número de pessoas no menor intervalo de tempo possível. Não é a toa que colocaram um general especialista em logística no ministério. Sem vacina não há horizonte. Economia vai mancando como pode, intervenções caso a caso.

  3. Aglomerações ocorrem em todo lugar. Truquezinho barato da imprensa, não noticia as mazelas dos outros para que possam ‘servir de exemplo’. Paris, Londres e Nova Iorque tem festas Rave clandestinas (exemplo). Nunca pararam. Já eram sigilosas por conta do elevado consumo de drogas. Pessoal que defende a liberação das mesmas ocasionalmente menciona a Lei Seca dos EUA e acha que por conta da pandemia não iria acontecer algo parecido. Não dá para saber se é excesso de otimismo ou outra coisa.
    Macroeconomia estuda a floresta, quem estuda as árvores é a microeconomia. Alás, fundo do poço, economistas dignos do epíteto sabem (e outros profissionais que usam o intelecto), só se sabe que atingiu na saída, quando as coisas começam a melhorar.
    Operador do Sistema é um nome ridiculamente simples. Para quem sabe do que se trata. Bandeira depende do volume de chuvas em determinadas regiões.

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