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De Oliveira Silveira a Sabotage, de Nei D’Ogum a Afroguga: a consciência negra não se apaga – por Leonardo da Rocha Botega

O articulista faz uma reflexão importante sobre o ‘Dia da Consciência Negra’

Caía a noite do 20 de novembro de 1971. Na Avenida Praia de Belas, em Porto Alegre, mais especificamente no Clube Social Negro “Marcílio Dias”, Nara Helena Medeiros Soares, Antônio Carlos Côrtes, André Machado, Salatiel e Lillian Argentina Braga Marques, Leni Souza, Antônia Mariza Carolino, Helena Vitória dos Santos Machado, Décio Freitas, entre outras pessoas, se reuniram, juntamente com o poeta Oliveira Silveira, para homenagear Zumbi, o grande líder do Quilombo dos Palmares. A atividade era um contraponto às comemorações oficiais do 13 de maio, data da assinatura da Lei Aurea pela Princesa Isabel.

Naquela noite, nascia o Dia da Consciência Negra. Uma data que, para além de uma celebração, se consolidou como um dia de reflexão sobre a cultura, a opressão e a resistência que os negros escravizados sofreram em um país cujo principal fator de unidade de suas elites no processo de independência foi a defesa da escravidão. Uma data não apenas para olhar o passado, mas para sentir o grito latejante de uma ferida que ousa não cicatrizar.

Uma ferida contata nos versos do próprio Oliveira Silveira quando afirma: “Nos pés tenho ainda correntes, nas mãos ainda levo algemas e no pescoço gargalheira, na alma um pouco de banzo”. O poeta nascido no interior de Rosário do Sul estaria completando 80 anos em 2021.

Graduado em letras pela UFRGS, tendo atuado como professor de português e literatura no Ensino Médio, Oliveira Silveira foi um dos grandes responsáveis por resgatar a identidade do povo negro gaúcho e brasileiro. Um resgate que ganhou força com o Grupo Palmares, fundado justamente naquele 1971, e foi impulsionado com a fundação do Movimento Negro Unificado, o MNU, em 1978.

Um impulso que se tornou ainda mais forte quando as vozes periféricas romperam os silenciamentos para denunciar o racismo estrutural e o genocídio que o povo negro sofre no país. Vozes como a de Mauro Mateus dos Santos, o Sabotage, rapper, cantor, compositor e ator, que da Favela do Canão (São Paulo) gritou para mundo que “Nego não para no tempo”, que “teve um tormento, a dor que é forte, se sentiu lá dentro”, mas que mesmo assim sabia que “um dia irá chover”.

Um grito de dor e esperança que embalou (e ainda embala) milhares de jovens negros e negras que veem no Rap e no Hip-Hop um caminho para fugir dos martírios cotidianos, afirmar sua cultura e, principalmente, afirmar suas autoestimas.

A afirmação da autoestima dos jovens negros e das jovens negras das periferias também um dos grandes objetivos de outro negro periférico: Vilnes Gonçalves Flores Júnior, o Nei D’Ogum. O menino, nascido nos fundos do terreiro de Dona Lila, em um 15 de novembro, aprendeu desde cedo que a cidadania republicana brasileira é branca e para poucos. Negro, gay e periférico, Nei sentiu na pele o peso dos preconceitos sexuais, de classe e de raça. Sentiu, gritou e ensinou que “Felicidade é ver o sol, a lua e poder comer três vezes ao dia”.

Um ensinamento que sacudiu a cidade, constrangeu e calou o olhar para o próprio umbigo de um certo “Exército Anti-cotas”. Um ensinamento que, acima de tudo, animou muita gente. O Ubuntu (“Eu sou porque nós somos”) de Nei D’ Ogum deixou marcas, abriu caminhos e elevou a autoestima de muitos jovens negros e de muitas jovens negras.

Jovens como Gustavo Rocha, o Afroguga, ativista social, militante antirracista e ator, “um negro autoestimado” que, juntamente com a Maria Rita, a Isadora Bispo, a Baiana, a Louise e tantos outros e tantas outras, negros e negras, lutam por uma Santa Maria sem racismo.

Afroguga representa a nova geração. A ligação entre o passado e o presente, entre os negros que lutaram ontem e os negros que lutam hoje. A ancestralidade que esteve presente em Oliveira Silveira, em Sabotage e em Nei D’Ogum. A ancestralidade que ousa em não deixar que a Consciência dos Negros e das Negras santa-marienses seja apagada. Viva Oliveira Silveira! Viva Sabotage! Viva Nei D’Ogum! Viva Afroguga! Viva a luta dos Negros e das Negras do Brasil! Viva o 20 de novembro!

(*) Leonardo da Rocha Botega, que escreve no site às quintas-feiras, é formado em História e mestre em Integração Latino-Americana pela UFSM, Doutor em História pela UFRGS e Professor do Colégio Politécnico da UFSM. É também autor do livro “Quando a independência faz a união: Brasil, Argentina e a Questão Cubana (1959-1964).

Nota do Editor. As fotos de Nei D’Ogum e Afroguga, que ilustram este artigo, são reprodução das Redes Sociais.

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