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Os corpos e o regramento na Idade Contemporânea. Os séculos XVIII e XIX (Uma breve e resumida história do Corpo. Parte 2) – por Elen Biguelini

Com a chegada do século XVIII, do período das Luzes, e o século XIX, com a revolução industrial; a sociedade passou por uma grande modificação. Um grande número de historiadores discorre sobre a mudança que tornou o individualismo como essencialidade para a humanidade. Até então as famílias eram divididas naquilo que a história da família e a história demográfica definem como “famílias tronco”, ou seja, o conceito de família era mais alargado e diversos membros viviam sob o mesmo lar.

Durante o final do XVIII, no entanto, as casas começaram a ter espaços mais privados. As portas que nas casas das famílias tronco eram abertas e conectadas entre todos os ambientes, passaram a ser fechadas e os ambientes passaram a ter funções específicas e eram visitados por um pequeno número de membros da família. A separação entre servos e donos da casa tornou-se mais destacada – não devido a sua posição social em si, mas porque os servos que até então eram presentes em todos os ambientes em todos os momentos, passaram a ficar fechados nas suas dependências.

 O corpo, ou melhor, os corpos, então, também passaram a seguir os moldes impostos pela individualidade.

O historiador Richard Sennet, em O declínio do Homem Público, não tratou diretamente das normas sociais sobre o corpo, mas ao falar do theatrum mundi ele colocou as normas sociais esperadas dos burgueses do final do século XIX. Para o autor, neste período o corpo era um manequim no qual eram expostos classe e status (SENNET, 1988, 89). Havia muitas regras quanto a forma de tratar o corpo, sendo que os códigos de vestuário (as regras de moda) eram “meios de regulamentar as ruas” e “funcionavam claramente, embora identificando arbitrariamente quem as pessoas eram” (SENNET,1988, 93). O corpo era um objeto a ser decorado, mas cuja decoração era regrada.

As normas relacionadas ao cotidiano da vida humana não se reservavam as regras de etiqueta ou as normas quanto ao uso das roupas. A medicina também tentava (e ainda tenta) normatizar os corpos.

Até o século XVIII as normas relacionadas ao corpo eram ligadas à manutenção e a conservação.  Uma série de aparelhos terapêuticos, as panóplias corretoras, surgiram durante a segunda metade do século XVIII, não somente para corrigir fraturas, mas também para corrigir corpos que não tinham defeitos a ser corrigidos e, assim, transformá-los em corpos ideais.

Alguns corpos foram submetidos a estas pressões, principalmente algumas crianças, de forma que pudessem ser encaixados no padrão esperado pela sociedade setecentista. “Aquilo que era tentativa casual de retificação e de anulação de um mal se transforma aqui, mais abertamente, numa abrupta imposição da norma” (VIGARELLO, 1995, 26), que envolve o movimento e a valorização do músculo.

As atividades como a educação física surgem neste contexto. O movimento de uma dinâmica social demandou esta movimentação corporal. Esperava-se que o corpo masculino fosse mais ativo, um corpo rústico e duro que conseguiria enfrentar tudo; um indivíduo heroico. Um corpo burguês que nasceu ligado ao movimento do mundo e que contrastava com o corpo do nobre, que era visto como um corpo preguiçoso, sem saúde, somente preocupado com as aparências.

A mulher nobre, por sua vez, era vista como mais fraca e com mais dificuldade para ter filhos. Logo, os corpos femininos também participam desta mudança, mas para as mulheres elas são diferentes. Elas mudam de local, saem dos salões e vão para o campo, e a ginástica que surge no final do século XIX visa reforçar o corpo feminino para sua função física “natural”: a maternidade. As atividades físicas visam prevenção e rigor muscular.

Também surgiram neste período muitos esportes, cuja prática cotidiana traria prazer e saúde, ao mesmo tempo em que denotam controle do próprio corpo e integração social.

São a medicina, a ciência e a sociedade que ditam estas mudanças. As normas universalizam ideias de naturalidade e excluem as formas que se diferem do todo: os doentes, as mulheres, os travestis, os hermafroditas e os monstros.

O normal e o natural, na verdade, são uma condição construída através das normas e pressões exercidas sobre o corpo. É ele que define o indivíduo. Nossa aparência é nossa imagem, que deve ser criada por nós mesmo. O ser humano constrói sua identidade através do corpo sendo ele normal ou ‘anormal’. Desta forma, até aqueles que saem do padrão constroem sua individualidade através da norma, ou da quebra da norma.

Referências

ARIÈS, Philippe. “História Social da Infância e da Família”. Rio de Janeiro: Editora LTC, 1981.

CASEY, James. “A História da Família”. São Paulo :Editora Ática, 1992.

ELIAS, Norbert. “O Processo Civilizador”. Volume1. Rio de Janeiro: Jorge Zahar, 1994.

FOUCAULT, Michel. “Vigiar e Punir”. Petrópolis : Vozes, 1986.

SENNETT, Richard. “O Declínio do Homem Público: As tiranias da intimidade”. Ed. Companhia das Letras : São Paulo,1988.

SHORTERS, Edward. “A formação da família moderna”. Lisboa: Terramar, 1995.

VIGARELLO, Georges. Panóplias Corretoras: balizas para a história. In. SANT´ANNA, Denise. “Políticas do Corpo”. São Paulo : Estação liberdade, 1995.

(*) Elen Biguelini é doutora em História (Universidade de Coimbra, 2017) e Mestre em Estudos Feministas (Universidade de Coimbra, 2012), tendo como foco a pesquisa na história das mulheres e da autoria feminina durante o século XIX. Ela escreve semanalmente aos domingos, no Site.

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