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A República de Arapongas – por Leonardo da Rocha Botega

Nas últimas semanas, a sociedade brasileira tem assistindo a revelação de um dos episódios mais nefastos de sua História Republicana. A revelação do funcionamento de uma espécie de setor de inteligência particular ligado ao ex-presidente Jair Bolsonaro e a sua família, a chamada “Abin Paralela”, é um escândalo sem precedentes desde a retomada da democracia no país.

Sempre houve a existência de uma inteligência de Estado (e talvez sempre haverá) na organização do Estado Nacional Brasileiro. As pesquisas recentes tem revelado que mesmo em período de vigência de governos comprometidos com a democracia, como os governos Juscelino Kubitschek e Fernando Henrique Cardoso, o segmento de inteligência interno esteve ativo, espionando inclusive movimentos sociais e lideranças de oposição.

Porém, não há nenhum indício histórico (pelo menos por enquanto) de que tenha existido, para além dos órgãos de Estado, uma inteligência particular a serviço de outro presidente e de sua família. Segundo alguns órgãos da imprensa brasileira, cerca de trinta mil brasileiros e brasileiras foram espionados ou apontados como passiveis de espionagem pela “arapongagem” pessoal do ex-presidente e de sua família.

Entre os espionados, conforme indicou o Jornal da Band em sua edição de 02 fevereiro, estavam ministros do Supremo Tribunal Federal, senadores e deputados, (inclusive aliados), ministros do próprio governo, líderes sindicais e assessorias, governadores e jornalistas. Tais evidências transformam o Watergate, um dos principais escândalos de espionagem da História (que custou a renúncia do presidente estadunidense Richard Nixon), em algo pequeno diante do tamanho do esquema da inteligência aparelhada por Bolsonaro.

Obviamente, podemos nos espantar com o tamanho do esquema, porém não podemos dizer que não havia sinais de sua existência. Na fatídica reunião ministerial de 20 de abril de 2020, o então presidente afirmou que o seu sistema particular de informação funcionava, diferentemente do sistema de informação da Polícia Federal e das Forças Armadas que não lhe davam informações. Na ocasião, um dos filhos do ex-presidente vinha sendo investigado por esquema de “rachadinha” e o ex-presidente acusado de interferir no trabalho da Polícia Federal.

As revelações do esquema da “Abin paralela”, portanto, não surpreendem. Elas revelam apenas mais uma evidência da natureza do bolsonarismo. Esta expressão brasileira do extremismo de direita que, sim, pode ser chamado de fascismo, tem como principal objetivo a construção de uma sociedade totalitária. Um totalitarismo expresso na soma de fundamentalismos (de mercado, religioso, armamentista) que constituiu o governo brasileiro anterior.

A “Abin paralela” era (ou ainda é?) mais um mecanismo do projeto de destruição da inconclusa democracia brasileira que estava em andamento no governo Bolsonaro. A transformação do Brasil em uma República de Arapongas a serviço do ex-presidente e de sua família não era apenas mais um absurdo da Era dos Absurdos que vivenciamos por longos quatro anos. É crime de Estado! É os seus responsáveis são nada mais, nada menos do que criminosos!

(*) Leonardo da Rocha Botega, que escreve regularmente no site, é formado em História e mestre em Integração Latino-Americana pela UFSM, Doutor em História pela UFRGS e Professor do Colégio Politécnico da UFSM. É também autor do livro “Quando a independência faz a união: Brasil, Argentina e a Questão Cubana (1959-1964).

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