Coluna

Passos em vermelho – por Bianca Zasso

Se os musicais americanos tiveram nas décadas de 30 e 40 o seu auge, foi nos anos 80 que os chamados filmes de dança encontraram o seu público. Flashdance, Dirty Dancing e Footloose já alcançaram o status de clássicos e isto não se deve a seus roteiros e atuações, mas as suas coreografias inesquecíveis. Quem também gosta de colocar bailarinos em cena é o espanhol Carlos Saura. O diretor, responsável por maravilhas como Cria corvos e Mamãe faz 100 anos, brindou o público do final dos anos 90 com uma declaração de amor a uma das danças mais intensas do mundo.

Tango, como indica o título, é um filme sobre o ritmo-símbolo da Argentina. Mas é também um romance trágico. Ao vermos o amanhecer em Buenos Aires, embalado pela belíssima composição de Lalo Schifrin Tango al Atardecer, parece que teremos pela frente duas horas de passeios pelas ruas da capital. Saura nos engana, ou melhor, deixa que admiremos as margens do Rio da Prata por alguns minutos antes de entrarmos no estúdio que será o cenário de todo o seu filme.

O protagonista, Mario, é um cineasta ainda amargando a dor do fim de um relacionamento e que se prepara para entrar no set. Seu trabalho chama-se Tango e é sobre um homem abandonado pela esposa. Coincidência? Metalinguagem seria a melhor definição. Mario vai construir seu filme ao longo do filme de Saura e os espectadores serão seus confidentes, assistindo ensaios, reuniões para definir a direção de arte e memórias, ideias.

O sonho e a realidade se misturam e surgem sem que seja preciso gelo seco ou que a câmera perca o foco. Uma coisa está dentro da outra, sem medição de forças. E mesmo quando o que está na tela é o prenúncio do que estará na produção que Mario irá dirigir, a beleza é presente. Há toques de arte até quando a coreografia ainda está falha, sendo moldada.

Paralelo ao trançar de pernas e os olhares intensos que o bom tango exige, Tango, o filme, apresenta o nascimento da paixão de Mario por Elena, uma jovem bailarina que entra para o elenco mais por ser amante de um dos investidores da película do que por seu talento. Interpretada por Mia Maestro, há uma doçura em Elena que parece não combinar com a força do ritmo que ela se propõe a dançar.

Na cena do tango à três, onde ela divide a cena com a bailarina e atriz Cecilia Narova, fica claro quem ganha o duelo. A postura de Narova foi feita para executar o que o compositor Enrique Santos Discépolo chamava de “pensamento triste que se pode dançar”. O único momento de brilho da interpretação de Mia se dá na sequência que simboliza a repressão militar argentina, uma dose de política no conto de amor de Saura. E, mesmo assim, só funciona porque o elenco que acompanha a atriz é grande e compassado.

Lembram da metalinguagem? Pois então, muitos não a apreciam e mesmo assim é possível se envolver com Tango. A força do desejo entre Mario e Elena, mostrada em tons de vermelho, com toques de verde e amarelo (a tríade que passou a ser fetiche depois do sucesso do filme O fabuloso destino de Amelie Poulain, de Jean- Pierre Jeunet), na fotografia assinada por Vittorio Storaro, se espalha por todo o filme, inclusive nas memórias de infância do cineasta. Mas diante da potência presente nas coreografias, parece um romance forçado.

Amor, de verdade, se mostra presente numa cena logo no início do longa, dentro das chamadas milongas, clubes destinados aos admiradores do tango. Casais das mais variadas idades e estilos deslizam pelo salão. Sem acrobacias ou elaborados passos. O tal tango que vem embutido na alma de todo argentino. Luz natural, corpos naturais a dançar. Cinema em estado puro. De chorar, assim como fazem os discos de Gardel e Piazzolla.

Tango

Ano: 1998

Direção: Carlos Saura

Disponível em DVD

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