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Guerra civil. Por que a Globo cedeu – e agiu corretamente – às exigências da bandidagem

Todos os que um dia trabalharam comigo, eu na condição de editor-chefe, ou chefe de reportagem, ou secretário de redação (cargos de comando que exerci), devem lembrar. Minha orientação, seeeempre, é de que não somos heróis, apenas profissionais. Não é nossa obrigação interferir no fato. Nós não somos notícia. Nada de excepcional, aliás. É a orientação de 99 entre 100 jornalistas na mesma condição. Mas nunca é demais reiterar.

Assim foi, apenas para citar um exemplo, no episódio do motim no Presídio Regional – no fim dos anos 90. Eu estava pessoalmente em frente ao estabelecimento, de madrugada, coordenando o trabalho da equipe de A Razão. Comigo, pelo menos dois motoristas, três repórteres (um deles, Carmem Staggemeyer, atua hoje no jornal, depois de ter ficado de fora alguns anos) e dois fotógrafos. Ao nosso redor, a excitação de colegas de rádio (à época, o DSM não existia), vários deles procurando uma maneira de entrar no local conflagrado.

Sem fazer juízo de valor em relação ao comportamento dos colegas, a minha (e da empresa em que eu trabalhava) recomendação era: nós, não!

Poderia me estender, trazendo outros exemplos, além da orientação cotidiana que sempre repassei aos que comigo atuaram. No entanto, a história do motim me parece suficiente. Você, leitor, então, entenderá: penso que a Rede Globo agiu bem, ao ceder ao reclamo dos bandidos do Primeiro Comando da Capital – que exigiram a divulgação (o que foi feito no início da madrugada deste domingo) de um vídeo reivindicatório da bandidagem.

Torço para que o repórter Guilherme Portanova volte são e salvo para casa e ao trabalho. Não sei se isso acontecerá. Rezo para que sim. Mas de uma coisa eu sei: com bandido não se brinca. E, se a Globo não cedesse, tenho certeza: Guilherme não voltaria.

É o que penso, ao menos. Ah, até este momento, passando pouco do meio dia, o repórter da Globo de São Paulo ainda não foi libertado. Mas há esperança. Eu tenho.

Enquanto isso, fiquemos com as explicações da própria emissora, em nota divulgada na manhã de hoje, para a atitude que tomou:

“Tão logo a TV Globo tomou conhecimento da exigência dos seqüestradores na noite de sábado, fez consultas ao International News Safety Institute (INSI), com sede em Bruxelas, ao qual a emissora é filiada desde que o instituto foi fundado.

Luiza Rangel, de Caracas, coordenadora do INSI para América Latina, atestou que em situações de extrema emergência como a que a TV Globo viveu, quando os prazos são exíguos e quando não se têm dúvidas sobre o descompromisso dos bandidos para com a vida humana, a postura correta é ceder às exigências, dando antes ciência à polícia sobre o conteúdo do que irá divulgar. Segundo ela, situações assim foram vividas recentemente na Índia e no Oriente Médio.

Orientada por Luiza Rangel, a emissora também entrou em contato com Tim Crocket, chefe do escritório de Atlanta do The AKE Group, uma empresa especializada em gestão de riscos e segurança, que presta serviços à INSI, e tem escritórios nos Estados Unidos, Reino Unido, Austrália, Paquistão e Iraque.

Tim Crocket deu a mesma orientação que Luiza Rangel: nas condições em que nos encontrávamos, não havia alternativa. Ele recomendou que entrássemos em contato ainda com Tom O´Neil, consultor do escritório no Líbano, especializado neste tipo de ação. O´Neil repetiu as mesmas recomendações.

A idéia inicial da TV Globo era tomar uma decisão em conjunto com as entidades de classe do setor. Mas como tudo se deu na noite de sábado, foi impossível esperar até que o setor se pronunciasse.

Diante do que vem acontecendo em São Paulo nos últimos meses, não havia dúvida sobre até onde as ações dos bandidos podem chegar: basta dizer que os mortos já se contam às centenas. Inexistindo dúvida sobre o risco real que o repórter Guilherme Portanova sofre, e não havendo tempo para uma decisão em conjunto com seus pares, a TV Globo mostrou o conteúdo do DVD à polícia e decidiu exibir o vídeo no estado de São Paulo.

No mesmo instante, porém, decidiu também convocar as entidades do setor para que a situação seja discutida por todos e que os próximos passos sejam decididos em conjunto.

A TV Globo espera que o jornalista Guilherme Portanova seja libertado imediatamente e possa voltar a convivência de sua família e de seus colegas de trabalho. Agradece a solidariedade que vem recebendo de seus telespectadores e de seus pares e manifesta a confiança de que a nação brasileira saberá encontrar caminhos para pôr fim a esse quadro de insegurança pública.”

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